Eu tenho dois filhos, um casal. Meu menino tem 8 anos, chama Claudio. E a Bianca, tem 11 anos. Estão prontos para ir à escola. Entramos no carro e seguimos nosso itinerário diário.
– Mãe, onde você vai hoje? – o Claudio pergunta.
– Nossa, hoje a mamãe precisa fazer um monte de coisas.
– O quê você vai fazer mamãe? – pergunta a Bianca.
– Ah, hoje eu preciso ir na prefeitura levar um documento da casa, depois vou no Horto Florestal comprar uma muda de uma flor que gosto, aí vou dar uma passadinha na casa da Cássia, e então depois vou ao mercado comprar mistura pra amanhã.
– Ahhhh, queria ir junto! – os dois falaram quase que em coro.
– Não, vocês precisam ir pra escola. E aí vocês não iam ver seus amiguinhos.
– Mas aí a gente ia ver a bebezinha linda da tia Cássia mãe! – respondeu a Bianca.
– E eu podia brincar com o João – falou o Claudio.
– Mas o João tá na escola dele também, Claudio!
Um ar de desconsolo tomou conta do carro pelos próximos minutos.
– Chegamos! – falei aliviada.
Depois de deixá-los, fui fazer minhas coisas. Fui na prefeitura, passando pela praça onde tinham aqueles brinquedos, e imaginei eles brincando lá um pouquinho. Depois fui no Horto, e imaginei como a Bianca iria adorar ver tantas flores, e o Claudio naquele espaço, podendo correr e chutar bola. Passei na Cássia, e que belezinha estava a bebê dela. Imaginei como a Bianca adoraria ficar ali paparicando ela. Fui ao mercado, sorri pra mim mesma lembrando da arte deles de como adoram sair pelos corredores pegando o que mais gostam e pondo tudo no carrinho. Mas eles estavam na escola.
No dia seguinte, a mesma coisa. Fui levá-los pro ensino, mas fiquei pensativa sobre a experiência que eles poderiam estar tendo ao descobrir o mundo e aprender de outras formas.
Neste dia precisei fazer um trabalho no meu computador. Imaginava eles na sala comigo. Talvez a Bianca vendo aqueles vídeos do youtube sobre viagens que tanto gosta e aprendendo sobre o mundo, e o Claudio jogando vídeo-game ou mesmo desenhando, que adora. Depois fui cuidar um pouco do meu jardim. Vi a Bianca dançando na grama, e o Claudio brincando com as formigas e caçando tatus-bola e minhocas debaixo das pedras. Mas estavam lá, na escola.
Peguei eles, fomos pra casa. Depois de jantarmos fui ler um pouco. Quando eu percebo, a Bianca estava no chão, ao meu lado, deitada, lendo um livrinho dela também.
– Adoro ler junto com você mamãe!
– Linda! Cadê seu irmão?
– Tá na sala desenhando.
– Olha mamãe o que eu fiz pra você – entrou o Claudio no quarto trazendo seu desenho em forma de presente.
– O que você desenhou filho? Explica pra mamãe.
– Eu desenhei um filme mãe.
– Desenhou um filme? – perguntei perplexa.
– Sim, olha só. É o nosso filme. Começa aqui com a gente acordando. Aí o Rômulo bate na porta. Eu atendo e chamo ele pra tomar café junto com a gente.
– Ah, aqui é a gente tomando café tudo junto?
– É sim. Aí o papai leva eu e o Rômulo pro campinho no terreno. Enquanto a gente joga bola, o papai vai trabalhar.
– Mas aí vocês ficam lá sozinhos?
– Sozinhos não mãe, olha aqui no desenho. Tem o seu José que vem jogar com a gente, a dona Francisca que fica olhando a gente aqui do outro lado da rua, o César e o Gibinha chegam pra brincar junto, e ainda vem o Rex tomar conta da gente.
– Ah bom! E o que é isso aqui?
– Isso é a Bianca dançando junto com você aqui em casa.
Percebo a Bianca vibrar percebendo que estava no desenho do Claudio fazendo o que mais amava. O Claudio continua:
– Quando vocês se cansam, você pega o carro e vai me pegar no campinho. E a gente depois vai lá na escola.
– Ah bom, pensei que neste filme você não ia pra escola.
– Vou sim, mas só quando quero. E aqui eu estava animado, porque, olha só, sabe o que é isso?
– Hummm, um avião?
– Isso mãe! E meus amigos – e tinha umas pessoas mais velhas também – estávamos fazendo um projeto de avião! E eu que fazia o desenho do avião! E cada um fazia uma coisa, e o que eu não sabia aprendia com meus amigos, ou a gente ia pesquisar na internet.
– Nossa filho. Você devia aprender muita coisa ali então né?
– É, porque no meu filme as pessoas aprendiam qualquer coisa que quisessem, e aprendiam com qualquer um, porque qualquer um é professor de alguma coisa.
– Nossa… E aqui, no fim do desenho, o que acontece?
– Não é desenho mãe, é um filme!
– Ah, é mesmo! Desculpe.
– Aqui no fim eu não terminei.
– E você não vai terminar?
– Não?
– Por que?
– Porque eu não quero que este meu filme tenha fim.
Devo dizer que aquilo me tocou profundamente.
– E você já escolheu o nome do seu filme, filho?
– Hummmm – ele pensa o nome naquela hora mesmo. – Vai chamar: Meu dia todo dia!
Passei dias pensando. Todos os dias, olhava um pouquinho para o desenho que o Claudio me deu. E eu tentava encontrar e inventar outras situações imprevisíveis entre seus capítulos.
Pensava no que eu aprendi na escola, o que lembrava do que aprendi, o que usei do que aprendi. Pensava se eu não poderia ter aprendido outras coisas se tivesse uma vida com muito mais relacionamentos com minha família, meus amigos, meu vizinhos, meus desconhecidos. Se hoje em dia, meus filhos não poderiam estar aprendendo através de todas estas coisas que existem pela internet, desde vídeos no youtube até estes cursos online abertos.
Sentia meu coração congelar quando percebi que a vida, próspera e rica em todos seus sentidos, estava ali a disposição minha e deles, mas aceitamos como necessidade, dever, cultura, realidade, passarmos a maior parte do tempo de cada dia nosso – seja sob um céu lindo e ensolarado ou entre neblinas e chuva – dentro das instituições que criamos, crentes que estamos nos preparando para um dia ter uma vida melhor. Um dia…
E a vida vai passando. Antes era a escola. Hoje, vejo no meu marido, é o trabalho. E a vida vai passando.
Quantas experiências maravilhosas, aprendizados incríveis, descobertas radiantes, a escola não está privando meus filhos, eu mesmo e meu marido, de passarmos juntos? Será que só eu vejo isso, e ninguém mais? Ah não. O Claudio já vê…