Vivia na culpa, pedindo desculpa. Uma educação patriarcal, machista, guerreira em constante dissenso com o querer aproximar na amorosidade paterna assombrada pela proposital cegueira materna. Tudo era mais seguro assim, pensavam.
Talvez por isso tão cedo busquei nas tradições espirituais oxigênio humano. Mas não eram humanas. Todas elas, celestes, infernais, extra-dimensionais, mas nunca terrestres. Foram nos corredores sombrios dos templos e nas conversas confessas ao pé do ouvido que a culpa-desculpa pôde se confortar na compaixão até o momento em que o sentir-com se deleitou no fluir que abria brechas no estranho e alheio. Me entreguei à ele.
Ali a lógica moralista perdia seus argumentos salvadores e educativos para o simples conviver. Conviver é conexão. Não se baseia no saber, nem no achar, mas no deslumbramento do encontrar.
Viver-junto… é partilha de uma forma tão singular e ampla que opera na reciprocidade entre as diferenças. Fora Estado! Realização utópica do monstro do individualismo, um próprio-abandonado do comum, retirante do entre-nós.
Este sentir que nos leva a algo maior que nós mesmos, e não poderia ser compaixão. Empatia e solidariedade, tidos como o velho casal de inimigos-amigos pelas utopias socialistas, se comprazem sinergizando a força vital do empoderamento que decompõe o dualismo de nosso modus operandi civilizatório.
Não há essência, muito menos mundos que pré-existem ao manifesto. Não há ordem implicada, modelo, proporções ou regras áureas naquilo que nos diz respeito. De outra forma, com sua pelugem lustrada do belo animal que és, siga reproduzindo e representando.
Sustento radicalmente o não-saber e o encontro fortuito com o erro. Neste óbvio-mundo corro sem pressa de mãos dadas com o pensar e o fazer para aspergir aromas de desobediência na trama fluídica de nossa impermanente e indefinida pessoa.
Enquanto pessoa, não fazemos com qualquer um, e sim, com quaisquer muitos que se entrelaçam no commons de nossa espiritualidade terrestre.
Não pertenço a ninguém. Não me pertenço. Por isso mesmo poroso à tudo que contagia. Não desejo ser imune. Quero afeto, corpo, calor com todas suas bactérias e fungos brandindo este quem-somos.
Estava convicto demais em meus clusters de certeza, pouco confiante em mim, no mundo, no entre-nós. Só depois de passar 7 dias e 7 noites como estranho e sujo nas ruas e becos das mesmidades, pude tecer nova rede para aquecer minha humanidade: só temos uns aos outros.