Não quero, não gosto, me nego. Me deixe em paz, quero ser o inútil que você tanto repudia e lhe amedronta.
Sou a pessoa das coisas desnecessárias, o errante de comportamento aleatório, o humano dos caminhos imprevisíveis.
Você me vê como um desviante, rebelde, a ovelha negra, o filho desgarrado. Você não entende, me envolve por ciclos infinitos de déjà-vu na sua busca frenética e insana por coerência.
Não fui planejado, programado, adestrado, educado nas suas leis, regras e moral. Me nego a ser útil para a tríade de seu núcleo monogâmico, o genos da desconfiança, da confidência, do segredo mantido a sete chaves naquilo que você chama de lar. O primeiro movimento para o perpetuum mobile das relações recorrentes, dos afetos medíocres, da empatia sem graça, da conexão com o previsível. O business plan de minhas emoções, a escravidão da nossa humanidade.
Não gosto dos seus meios, tenho asco do cheiro que infecta o rastro de seus movimentos, dos métodos coercitivos que atravessam milênios camuflados no esforço que a criança faz para ser aceita. Aceita onde cara-pálida? Por quem? Não sou o animal enjaulado por trás dos muros da sua fábrica de desumanidades. Meu caos só serve para sua ordem pretérita que não se conforma com a realidade do fluxo emergente. Me nego a ser o depositário da sua cultura embalada como McLanche Feliz. Que seus sacerdotes professorais definhem dentro do manicômio que se reproduz como escola. Minha humanidade precisa respirar, expandir, conectar, fazer junto tudo quanto sonhos sintonizados pelo canto da liberdade são desejos e potência.
Aqui você teve medo e se ergue ditadora. Mãe julgadora das imperfeições, pai sentenciador das incoerências. Não serei encapsulado para seu café nespresso. Minha borra desenha o dragão do seu umbral. Sou o espelho que reflete o demônio que és, o medo do seu coração petrificado. O mal está programado apenas nos seus olhos, distantes da realidade humana que se descortina apesar de você.
Não quero seu corpo ou seu sangue divinos, sua experiência espiritual embalada no arco-íris colaborativo e sustentável da qualquer novilíngua orwelliana dos modismos empresariais. Não preciso da sua proteção, da sua experiência, que me indique o melhor caminho. Me deixe vagando pelo deserto, ainda que sob a opressão do seu olho-que-tudo-vê, mas que nada entende.
Me nego seu útil na sua linha de produção. Não vou reproduzir seus serviços, nem montar e embalar seus produtos. Não serei importante para seus negócios, para seu mercado, não sou um ativo financeiro dos seus relatórios, não gero lucro para seu sistema.
Sou a pessoa das coisas desnecessárias, o errante de comportamento aleatório, o humano dos caminhos imprevisíveis.
Infelizmente para ti, máquina sanguessuga da vida e do espaço-tempo dos fluxos, tuas peças estão quebrando. Seus gerentes estão perdidos. Com mestres e sacerdotes estão aterrorizados, chegou seu apocalipse. A estrela da manhã transformou-se no buraco negro do seu sistema. Os quatro cavaleiros da sua tradição, mítica, sacerdotal, hierárquica e autocrática, guerreiam entre si na disputa da coagulação de sua inevitável dissolução.
Sua natureza artificial não previu e não mais controla o surgimento de miríades de realidades sendo criadas por novas espécies sociais a todo momento. Aqui estou eu. Humano, errante, desnecessário. Não sou teu fim épico, pois nem a ele você terá direito. Sou a transição lírica e desinteressada, cujo caminhar é mais prazeroso que os vários mundos que posso inventar.