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O motor da fúria na direção da mercabah terrestre, #devir39

– Caramba Josué, não estou aguentando mais, por que você tá assim?

– Assim, como? Porra! – Josué grita olhando para o nada, revoltado, não contra a pergunta da Marta, mas contra qualquer outra coisa incompreensível.

– Desse jeito. Você anda agitado demais, reclamando demais, xingando demais, e como te conheço, sei que não é com as pessoas, parece que você está brigando com a vida, com você mesmo.

– É isso! É isso mesmo. Estou mesmo brigando com a vida, com a minha vida, com os meus emaranhados, com meus demônios, comigo. Desculpa, não tem nada a ver com você. Tô puto mesmo… Filho de uma puta! – Josué xinga pausada e pesadamente a si mesmo.

– Meu… vai caminhar, pescar, treinar, suar, fazer qualquer coisa, mas para, livre-se disso!

Josué olha rápida e profundamente Marta nos olhos e emenda:

– Quero te amar.

– Ah tá, se liga meu.

Depois de uma breve pausa, Marta pergunta:

– O que tá rolando?

– De tempos em tempos eu fico assim, puto, com a fúria me consumindo, querendo me implodir. Mas eu gosto, isso é bom.

– Como assim?

– Isso quer dizer que mudanças que desejo em minha vida estão a caminho. Toda vez em que estou em uma situação que não me agrada, mas que fui eu mesmo que desenhei ou fiz por onde para estar nela, fico neste estado. Aí me revolto comigo mesmo, por ter sido um idiota mais uma vez, e uso esta mesma emoção como processo criativo.

– Você é louco demais, Josué. Processo criativo neste estado?

– Não sei, só sei que eu funciono muito bem desse jeito. Sinto minha fúria movendo os fluxos, mexendo com as rotinas, com os caminhos previsíveis, com as rotas planejadas, passo destruindo e bagunçando tudo, refazendo relações, desafiando as condições. Um tornado, sei lá, sinto minha pessoa como o Taz, daquele desenho Tasmânia, sabe?

– Hahaha, muito bom! Tá parecendo isso mesmo. E burro igual!

– Como assim burro?

– Já pensou que neste estado você pode acabar destruindo várias coisas difíceis de reconquistar? Eu te conheço, mas outras pessoas sentem seu estado. Você pode afastá-las.

– Eu sei, eu sei… Mas me parece um preço a pagar. Fui burro mesmo, você tem razão. Cheguei neste estado talvez por burrice. Agora sou um burro revoltado rodopiando vertiginosamente até se transformar em qualquer outra coisa mais desejável a mim mesmo.

– Você nunca se perguntou do risco em se perder neste estado? Se sua fúria não for o suficiente para mover o carro da vida e você simplesmente acabar destruindo o que conquistou e destruindo a si mesmo como um cachorro correndo atrás do próprio rabo para sempre?

– É um risco. Por isso preciso estar atento. É meio que um ato de fé também Marta. É como se jogar num determinado estado, sem promessa nenhuma, mas acreditando que através desse desprendimento, desse “se jogar”, eu encontre as conexões possíveis para ressignificar minha vida, para iluminar novos caminhos.

– É, bom, você que sente isso aí dentro, não é? Só você pode saber e ter segurança para uma decisão assim.

– É, mudanças passam por várias camadas. As mudanças mais profundas, nunca ficam apenas, sei lá, no nível mental ou emocional.

– Ah tá, você realmente não se enxerga né? Você não está se vendo? Veja o que está me falando, o que está sentindo…

– Não, nada a ver. Isso é só atuação, hahaha. A mudança que está sendo provocada em mim e que estou provocando – porque é tudo junto e ao mesmo tempo – são mudanças em seu corpo, nos seus nervos, no seu fluxo sanguíneo, na sua pressão arterial, nas células que te constituem. Você precisa sentir uma mudança no corpo. Você precisa sentir dor, inflamar, infeccionar, mudar de pele. Você vai sentir seu corpo gritar por dentro, gemer enquanto muda. O corpo é o veículo vivificador da sua pessoa. A alma e seu corpo, são uma coisa só.

– Caramba, legal isso.

– Falando do corpo ser o centro da vida, você dança, né?

– Sim.

– Já pensou em como a dança não poderia ser uma bela ferramenta para provocar estas mudanças nas pessoas?

– É, de repente, você virou um dançarino sem saber.

– De repente, já somos todos dançarinos sem saber.

Só temos uns aos outros, #devir38

Paradoxo do será? #devir40