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O desejo morreu de inanição

A crise do desejo é a crise da liberdade.

As pessoas não sabem o que desejam mais. Criam-se metodologias para descobrir o que você curte, o que gosta, seu propósito…

A sociedade se escolarizou em tal ponto que agora creia-se possível te ensinar descobrir o que deseja. Não percebe-se que é justamente um mundo imerso na escola, na educação, que lhe impede de exprimir suas vontades. Pois você, meu amigx, está educado e programado sobre o que deve falar, fazer, pensar e sentir. E quando surge em ti algo espontâneo, um pássaro livre do sentimento que deseja voar em direção ao desconhecido, trata logo de enjaulá-lo, cortar suas asas, matá-lo e, agora sim, tudo está normal novamente. Ordem restaurada! — diz o inspetor-geral.

Não paro de ver surgirem métodos inovadores para aqueles que querem fazer sua vida sair do survival mode para o design mode. Ora, a vida é free mode. E pelo jeito atravessaremos mais algumas gerações fazendo vista grossa para os erros do passado. Parece que das catacumbas do século passado remanescem a criação de processos e projetos que prometem a ilusão do encontro consigo mesmo, um encontro que se torna cada vez mais previsível em seu caminhar. Um encontro com o passado, com o que sempre esteve lá dentro, com sua origem, chamam de sua verdade, seu propósito, enfim, é o encontro com o programado. Nomes bonitos, modernos, cool, juntam a incompreensão de redes, com fluxo, com espiritualidade, com empreendedorismo, com commons, com democracia, com o caralho de merdas tiradas de cabeças, ainda, autocráticas. O discurso é novo. O comportamento, há milênios vem sendo reproduzido.

Se o (mal)dito “mundo adulto” está assim, o que dirá então da crença, já enraizada há mais tempo, de que criança não sabe o que quer? De que a criança não aprende por si só, não sabe o que procurar, enfim, criança não deseja. Quando deseja são somente aquelas coisas desconexas da realidade que nós, adultos, elegemos como a mais conveniente. Assim, tratamos de educar o monstrinho que, uma vez ao léu, viraria uma besta descontrolada e sem rumo.

Estamos retrocedendo do ponto de vista da liberdade. E não nos apercebemos disso. Mesmo as pessoas que se colocam (ou são colocadas) como referência nas novas tendências acabam trabalhando para manter o status quo. Ilhas na rede cada vez mais raras. A janela mal nos permite respirar.

Ideologias, militâncias, declaração de inimigos, visão dualista, guerra quente, guerra fria, superestruturas que acredita-se guiarem a sociedade, só se enxergam indivíduos, necessidade de segurança, todos competem entre si… e tudo expresso de forma tão pura e grotesca quanto cínica, lambuzada com uma linguagem contemporânea para os mesmos significados arcanos. Meme que se repete. Quem chegará primeiro no estado próspero, abundante, deífico, puro e perfeito que coloca um fim no continuum da liberdade?

A humanidade corre o risco de ser extinta pelos deuses que estamos nos tornando.

 

O jovem Marx já nasceu velho

O desejo