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Contra a imanência histórica

Reconhecendo posturas míticas diante da história.

Olhe para aquele mundo na pré-virada do milênio. Lembra dele? Veja tudo o que aconteceu de lá pra cá. Deve ter passado um belo filme na sua cabeça. Me diga: o quanto aumentou a complexidade da sociedade, do mercado, das relações de todo tipo?

Quer um exemplo mais louco? Lembre-se de sua infância. Minha infância foi a década de 80 (nasci em 78). Se fizer um paralelo do mundo que vivi para o mundo que minhas filhas vivem hoje, é maravilhosamente incrível como tudo mudou.

E a maior prova desta mudança está no comportamento das pessoas. Ninguém previa isso. A dinâmica, a velocidade, a conectividade, os fenômenos decorrentes da interação insana uns com os outros, com tudo e todos, mal conseguimos formar um panorama do que realmente acontece à nossa volta (e conosco).

Mas apesar de já estarmos nos comportando de uma forma completamente diferente dos últimos 10 ou 20 anos, a grande maioria de nós continua pensando como pessoas de mais de 100 anos atrás. Eu, você, seu amigo, seu pai, seu vizinho, em menor ou maior grau pensa como uma pessoa do século XIX.

De que tipo de pensamento que estou falando? É claro que não é desta capacidade de se adaptar, comunicar, ou de se relacionar e aprender (incluindo as novas formas de tecnologia). Estou falando do pensamento que constitui nossa comunidade humana, nosso emocionar, e que edifica nossas instituições políticas, jurídicas, sociais, privadas. Estou falando do pensar político.

Nestes últimos dias já me sentia motivado a escrever algum texto mais político, mas foi uma conversa no facebook que desencadeou meus dedos a digitarem aqui. Fiz um post de um vídeo do New York Times falando sobre os problemas sociais na Angola e, conversando com uma pessoa a respeito dos bilhões do governo brasileiro endereçados aos cofres do país do ditador José Eduardo dos Santos, saiu o seguinte:

[…] Angola é uma tragédia, e como tal cumpre o roteiro de todas as mazelas que as nações subdesenvolvidas devem seguir.

Este comentário é muito interessante e chamou minha atenção, porque ele revela claramente uma crença ideológica, que construiu uma determinada visão de mundo, que não acompanhou a dinâmica da sociedade atual.

Ou seja, estou falando da crença que existe uma imanência na história, o que denota uma visão mítica da mesma.

A postura mítica diante da história

Apesar de, neste texto, eu buscar desenvolver um foco mais político a respeito desta postura, ele serve de exemplo e é aplicável para qualquer outra estrutura que seja mais centralizada que distribuída. Encontramos isso em igrejas, instituições espiritualistas, escolas, universidades, empresas, ONGs, partidos etc. Quero dizer, portanto, que esta breve análise sobre este tipo de atitude é a de um padrão que pode ser encontrado em qualquer uma dessas estruturas, desses hardwares, independente dos softwares que estejam rodando. O comportamento mítico diante da história pode ser identificado em todas elas, sem exceção.

Eu mesmo comecei a identificar e investigar esta atitude em uma associação espiritualista que fiz parte por muitos anos, e a busca de entender como se manifestavam os comportamentos que geravam sempre os mesmos problemas, dissonantes dos preceitos maravilhosos que eram teorizados, me ajudaram a identificar este padrões.

Por que permanecer no açude da crise quando o rio nunca deixou de fluir?

Vivemos uma crise que se arrasta há algumas décadas. Falo da crise do socialismo (desde 1989, e depois reforçada com a derrocada de 1991), e do fantasma neoliberal. Mas sob a superfície destas visões de mundo, encontramos os mesmos padrões em ambos os lados. A crise é a de um modelo estrutural que se nutre de ideologias baseadas tanto na tradicionalidade, quanto nas utopias criadas pela modernidade.

Há uns 10 anos atrás, um grande amigo, Laudelino, tirou do chapéu algo que na época me surpreendeu. Disse que necessitávamos de criar os mitos do futuro. Um mito não como uma referência a um tempo pretérito, mas um espécie de mito que nos movesse em direção ao futuro. Ora, estávamos falando de uma utopia. Na época isso fez muito sentido pra mim. Mesmo concordando com a necessidade da criação de um não-lugar futuro que pudesse inspirar as pessoas em sua direção, este não-lugar nunca se realiza, pois ele não está no tempo presente. Além disso, há grande risco dela se tornar mítica, na medida em que tendemos a criar ritos para esta utopia, e que por fim são absorvidos e retroalimentam uma tradição já existente.

A modernidade é baseada nisso, e não se consuma justamente por isso. Bastaria dizer para as ideologias da tradição e do modernismo que devem viver de acordo com o que se pretende, ou seja, presentificando o futuro. Deixarei para me aprofundar sobre isso em outro texto ou me alongaria demais, e aqui vou me restringir a este pilar do tradicionalismo que resolveu que a história possui uma imanência cujos sábios que a conhecem e interpretam podem ser os porta-vozes do futuro, escolhidos para a grande apoteose humana.

O paradigma da tradição

Vivemos ainda neste paradigma. A maior parte de nossos pensamentos, comportamentos e instituições que criamos são baseados nesta visão de mundo. Ou seja, a tradição é o status vigente.

Este paradigma começou a ser questionado no Renascimento, pelo início do que podemos chamar da era moderna, e neste sentido, podemos entender que a modernidade sempre desafia a tradicionalidade como um processo para desconstituí-la, porém, raramente a consumando. Assim, vivemos na tensão entre o status que permanece e o processus de questionamento. Um reforça seu mito, o outro inaugura sua utopia, e como o não-lugar por definição não existe, não avançamos dessa dicotomia.

Evidente que já emerge outra vertente, investigada, fortalecida e difundida por vários autores dos anos 90 pra cá, dando um sentido mais contemporâneo ao trazerem conceitos baseados em uma visão holística, sistêmica e fraterna da política, e muito mais, do ano 2000 pra cá, em tudo que a nova ciência das redes tem investigado sobre sistemas complexos e emergentes. Hoje podemos começar a explicar o comportamento que gera uma ação efetiva sem ficar entre a repetição do velho e o anúncio do novo, mas isso é outro assunto. Até porque passaríamos por alguns conceitos que julgo bastante complexos, que envolvem um entendimento do social como a relação que se dá (e está) entre as pessoas (e não nelas, como grupos, e nem definidos por uma super-estrutura não-humana), e a compreensão de que pessoa é algo completamente diferente do que é o indivíduo.

Deixo este trecho do conto “Utopia de un hombre que está cansado” de Jorge Luis Borges (1975):

¿Qué sucedió con los gobiernos? Según la tradición fueron cayendo gradualmente en desuso. Llamaban a elecciones, declaraban guerras, imponían tarifas, confiscaban fortunas, ordenaban arrestos y pretendían imponer la censura y nadie en el planeta los acataba. La prensa dejó de publicar sus colaboraciones y sus efigies. Los políticos tuvieron que buscar oficios honestos; algunos fueron buenos cómicos o buenos curanderos. La realidad sin duda habrá sido más completa que este resumen.

Os mitos do socialismo científico

Dentre as correntes políticas que acreditam em uma imanência da história, temos o socialismo científico,que estabeleceu alguns pressupostos que podemos resumir:

  • a crença de que a dinâmica da sociedade é um reflexo de sua estrutura econômica;
  • a redução da dialética, buscando descobrir basicamente na economia as causas dos fenômenos políticos;
  • a ideia de que a história já tem um fim determinado (determinismo histórico) que, em razão da economia da sociedade, seria possível a priori conhecer as leis que regem as mudanças nos modos de produção;
  • a imanência histórica, dizendo que a tal revolução social era conferida pela própria história ao proletariado para salvar a humanidade;
  • e a ideia de que a consciência poderia ser infundida ao proletariado.

Construiu-se uma visão do mundo, uma ideologia, baseada nestes pressupostos que se tornaram-se mitos, os quais algumas pessoas (felizmente, cada vez menos) ainda acreditam:

[…] o mito da determinação infraestrutural como causação e da redução da ideologia a fator econômico; o mito da marcha inexorável dos povos rumo ao socialismo; o mito de que o “socialismo científico” constituía a base teórica para a formulação de uma “política científica” por meio da qual se poderia inferir o futuro da ordem presente (e de que o futuro da humanidade já estaria pré-figurado, constituindo um desdobramento desta ordem presente); o mito, enfim, de que o conhecimento antecipado das “leis da história” possibilitaria o seu controle e a sua utilização em benefício do progresso humano: emancipando definitivamente o reino da natureza o homem se converteria em seu senhor efetivo, fazendo a humanidade saltar do reino da necessidade para o reino da liberdade. — FRANCO, Augusto de. A nova geração.

Pois é, como disse no início deste texto, é muito, muuuito semelhante em vários aspectos com doutrinas esotéricas-teosóficas. Talvez em breve escreva um outro texto analisando este mesmo mito da imanência histórica com um viés menos político e mais espiritualista.

Veja, que pessoa honesta poderia afirmar que é possível deduzir a história à partir desta base ou ideologia? Talvez no início do século XIX, mas não pessoas do século XXI, cuja sociedade de longe é muito mais complexa e possui incontáveis forças que agem entre si, que não podem ser mais reduzida à visão e à sociedade de 100 ou 200 anos atrás.

Quem acredita ainda hoje que é possível construir uma sociedade ideal modificando sua estrutura econômica a partir do Estado? Coitado do Estado e das instituições econômicas, cujas estruturas de longe já não acompanham a interatividade de uma sociedade-em-rede que os impede claramente de atuarem como agentes reguladores. A despeito dos Estados, dos bancos, dos grandes capitalistas, das instituições governamentais, das universidades etc. as pessoas estão cada vez mais podendo criar, inventar, agir, consoante com seus próprios desejos e valores e não pelos do representacionismo ou controle conferido a tais instâncias.

A falácia desta ideologia vai ficando cada vez mais clara de forma diretamente proporcional ao aumento progressivo da complexidade social. Não há como acreditar mais que pessoas interagindo com pessoas acabariam firmando sempre dois grandes grupos ou classes: a burguesia e o proletariado. Não faz sentido. Não há mais como dividir a sociedade em dois lados, de modo que a prevalência política de um cria a condição para a transformação política de todos. Isso só se mantém através de uma crença mítica: a existência de um grupo cujos “interesses históricos”, uma vez atingidos, poderiam inaugurar a aclamada era de igualdade e liberdade para todos. Ora, é o mesmo que dizer que os interesses particulares deste grupo poderiam se universalizar. Daí, cabe a você definir seu lado político, que seria o deste grupo que recebeu da própria história a missão de acabar com a desigualdade social através do seu domínio sobre o Estado. Bom, há quem ainda acredite nisso.

Uma vez que a tradição marxista-leninista carece cada vez mais de uma base filosófica e científica que a sustente, o que ficou foi esta herança histórica, cuja pegajosidade antropológica é retroalimentada nas conversações e interações recorrentes de grupos fechados que não sabem como renunciá-la sem perder o sentido da própria vida.

Muito semelhante aos encontros de grupos esotéricos que teatralizam seu rito fundante para continuar alimentar o mito e perpetuar a tradição. Assim, já podemos entender como estas ideologias reconstroem seu papel de “motor” da história e como, com base neste construct, passam a interpretar a história sob suas próprias lentes, de modo encontrar todas as justificativas que embasem sua mundivisão.

Nesta época em que estive ligado à instituições esotéricas-teosóficas, era justamente isso que ocorria. Tínhamos uma construção teórica super complexa (ainda que com os mesmos simples padrões com que se baseiam todas elas) para provarmos a nós mesmos que estávamos sempre certos. Era o conhecimento da lei dos ciclos, do karma, das eras e da influência astrológica, do jogo político sob a tutela de signos pré-definidos, do jogo entre castas, do fantasma inimigo sempre presente, dos estados de consciência, da luta interna, e por aí vai. Ora, o socialismo científico faz a mesma coisa com seu olhar histórico-materialista.

Toda tradição vai utilizar a história como legitimadora das ações e como cimento da coesão grupal… Até mesmo os movimentos revolucionários baseavam suas inovações em referências ao “passado de um povo” (saxões contra normandos, “nos ancêtres les Gaulois” contra os francos, Espártaco), as tradições da revolução (“O povo alemão também tem suas tradições revolucionárias”, afirma Engels no início do seu livro As guerras camponesas na Alemanha) e a seus próprios heróis e mártires. — GARCÍA-PELAYO, Manuel. Los Mitos Políticos.

Identificando uma visão mítica da história

Conhece alguma “filosofia da história”? Pois bem, ela foi criada com base em uma atitude mítica diante dela.

Basta querer atribuir um sentido à história, seja que estamos regredindo, ou progredindo para algum lugar, ou que a história tem seus ciclos, ou ainda, este sentido histórico ser autônomo em relação à ação humana, que mitificamos a mesma. Se dissermos que a história é regida por leis, e que é possível obter o conhecimento das mesmas antes da ação concreta do homem, também é uma visão mítica da história.

Em nenhum momento na visão mítica da história haverá espaço para o acaso, o inesperado, ou tudo aquilo que pode escapar do controle ou compreensão de seus decodificadores. Reconhecer o que é uma sociedade-em-rede como a que vivemos hoje, a que cada vez com mais frequência teremos fenômenos emergentes, ou seja, não previstos, planejados, pensados, esperados, é inconcebível nesta mundivisão.

A história mítica, que é sempre um passado, é como que um evoluir de um processo regido por leis universais que independe do homem, logo, da sua liberdade política. Nos resta somente abaixar a cabeça e concordar com a história como foi, é e será. Esta visão, tira completamente a liberdade do homem de construir uma nova história, pois tudo já é previsto e programado. Não podemos atribuir à história uma outra finalidade, caso discorde com o que foi definido na noite de sua existência.

Como exemplo, temos Hegel, que enxergava a civilização evoluindo entre as formas de governo até chegar na monarquia constitucional, uma tipologia que conferia maior articulação e complexidade, baseada na sua visão da sociedade da época, a qual Hegel afirma que a vida social desenvolveu-se tanto que acabou se duplicando em dois lados: a sociedade civil — com interesses próprios — e o Estado — onde as diferenças sociais seriam articuladas e recompostas.

Marx também acreditava em um fim dado pela história, que como já citei aqui, era determinado pelos ciclos econômicos da sociedade (que ocorre independente de qualquer finalidade colocada pelas pessoas). Este fim era a libertação do proletariado pela revolução. O problema é que o sentido dessa mudança não depende da vontade de ninguém, é a própria história que possui este atributo transformador. As pessoas — na visão de Marx, o proletário — não tem liberdade para fazer uma história diferente daquela que ela já possui, uma vez que isso seria agir em inconformidade consigo mesmo:

Não se trata do que tal ou qual proletário ou mesmo o proletariado inteiro se represente em dado momento como alvo. Trata-se do que é o proletariado e do que, de conformidade com o seu ser, historicamente será compelido a fazer. — MARX, Karl. A Sagrada Família.

Para Marx, estamos condenados a evoluir, sendo obrigados a passarmos pelos meios de produção menos desenvolvidos até o mais desenvolvidos.

Qual é o problema de ter uma visão mítica da história?

Se o sentido da política é a liberdade, como fica? Então o único caminho para atingir a liberdade é aceitar esta visão e deixar-me seguir na história transformando-me positivamente? Esta super-estrutura ex-humana é que define tudo?

O problema de se defender a liberdade, seja por sua imanência histórica, seja como uma utopia, é que ela é irrealizável em ambos os casos. É sempre um futuro.

Veja que decorrem dois problemas sérios com a visão da conquista da liberdade pela visão do socialismo científico.

Primeiro, não é uma futura sociedade utópica que vai nos libertar, nem mesmo a luta por esta construção futura (o que decorre o segundo problema). É o que você faz aqui e agora que pode gerar liberdade e não ações que, de fato, não o libertam hoje em prol de uma promessa da liberdade que virá só amanhã. O cara faminto na sua frente precisa de comida agora, não quer ouvir que sua fome será erradicada no intangível e futuro reino apoteótico da abundância. Fala pro cara que a fome dele é um problema estrutural, por causa da burguesia, na propriedade privada dos meios de produção, bah! Pro cara não interessa saber que a fome dele não passará de uma lembrança pra rir nos bons tempos do século seguinte. E nem pra quem não passa necessidade, não interessa também que pessoas passem por este sofrimento quando podem ser atendidos. Este tipo de ideologia é, pra dizer o mínimo, perversa. A Perestroika (uma escola de criatividade cool) tem um slogan muito bom pra isso: vai lá e faz!

Segundo, uma visão mítica da história sempre vai erigir um campo de guerra. Será erguido um inimigo, e se dá o início da luta. Augusto de Franco, em um dos seus artigos em Dagobah — Inteligência Democrática, descreve:

Nas notas marginais de Lenin ao Vom Kriege de Clausewitz (1832), depreende-se que Lenin criou a famosa fórmule-inverse. Se Clausewitz afirmou que a guerra era uma continuação da política por outros meios, Lenin raciocinou: ora, a luta de classes é uma guerra permanentemente presente, mesmo em tempos considerados de paz e, logo, podemos inverter a fórmula para dizer que a política é uma continuação da guerra por outros meios. A partir daí — com a famosa fórmule-inverse — Lenin decretou o fim da política (democrática).

Marx, que acreditava na luta de classes e em um motor que determinaria a superestrutura da sociedade (a economia), já seguia na prática a fórmule-inverse leninista, pois acreditando que era a economia que definia estes grupos sociais (e não a interação entre pessoas), o embate de interesses contraditórios entre classes justificaria uma luta como finalidade histórica.

Citando ainda o mesmo artigo:

A guerra (violenta ou não-violenta, pouco importa na medida em que guerra não é violência e sim construção e manutenção de inimigos) entre grupos sociais (chamados de classes) que move a história pressupõe uma filosofia da história. A história passa a ser, nessa filosofia, uma consequência de algo imanente guardado em seu ventre, que a leva para um lugar ou outro. Mas a história (supondo que se possa falar de “a” história, no sentido de uma história — e não se pode) não vai para lugar nenhum. Nós é que vamos, ou não vamos. E vamos ou não vamos escorrendo por creodos que estão presentes no campo social e que dependem das configurações dos fluxos interativos da convivência social.

Se acredito que existe uma história com um mecanismo embutido que lhe dá sentido, também posso acreditar que o conhecimento desse mecanismo será capaz de me revelar as suas leis. E aí já estabeleço uma distinção geradora de poder, separando os que conhecem essas leis e os que não as conhecem. Os que não conhecem devem ser então conduzidos pelos que conhecem para que possa se cumprir o desiderato histórico. Note-se aqui que não é uma interação de opiniões que conduz a história e sim um saber sobre a história que confere a alguns agentes a capacidade distintiva de orientar os demais. O agente tem a episteme que o coloca num patamar diferente da massa que só possui a doxa. Isto é, rigorosamente falando, um platonismo que, como todo platonismo, só pode levar à autocracia, não à democracia.

Este processo acaba criando concomitantemente uma postura sacerdotal diante do saber, hierárquica diante do poder e autocrática diante da política. Daí, meu amigo, já era. Este jogo já está perdido (do ponto de vista democrático).

E então?

Não se pode manter a lógica perversa de que os fins justificam os meios, pois assim para o fim utópico desejado vale tudo, uma vez que não há espaço para o campo moral neste tipo de ideologia. Quando cria-se uma moral da classe que supostamente iria libertar os seres humanos, ela acaba se elegendo como superior ao da outra classe. Isso é o fim de qualquer noção de moral. Pois os atos praticados em nome do processo que nos levará à utopia são sempre julgados como corretos e justificados pelos seus fins, enquanto que os atos cometidos pela outra classe, mesmo que sejam corretos, não podem ser bons enquanto não nos levam para o desiderato já inscrito na história.

Muito se fala em liberdade e igualdade, porém, sabemos como é raro qualquer uma dessas ideologias praticar fraternité, solidariedade, humanidade de fato. Fazer do meio o próprio fim é como resolvemos este impasse.

Paremos de nos desculpar colocando em uma pseudo-dependência do desideratum de uma imanência história a solução dos problemas. A solução é micro. É agir de acordo com seus valores de modo transformar a U-TOPIA desejada globalmente, em TOPIA local.

 

 

Não saber é uma descoberta

O jovem Marx já nasceu velho