– Manja A.S.P.O.N.E.? – continuou Roberto.
Renato – com a cara de quem vê a nave do Independence Day baixar sua sombra sobre a Terra – responde:
– Que porra é essa?
– Justamente! É ASsessor de POrra NEnhuma.
– Ah, tá. Mas não é bem assim. Você fala daquele generalista que só desliza superficialmente sobre tudo e que, no fim, só fala merda mesmo. Nem sei se essa sua comparação vale de alguma coisa.
– Mas, Renato, hoje em dia não dá pra ganhar dinheiro se você não for especialista em alguma coisa e ser reconhecido assim.
– Sim, pode até ser que exista uma grande parte de empresas e pessoas que só jogam dinheiro no teu colo se você for um puta especialista de A.S.P.O.N.E. mesmo – falou com cara de deboche. Mas esse é um discurso da nossa geração, é o que contaram pra gente e o que nós replicamos entre nós, agora adultos. Inclusive, pensa comigo, isso é uma forma de justificar nossas vidas.
– Justificar como?
– A gente cresceu escutando que tinha que ser bom nisso e naquilo. Nos sacrificamos e perdemos uma puta tempo de nossas vidas com essa ladainha na cabeça. Crescemos e agora não só falamos uns pros outros que o mundo funciona assim, como também exigimos dos mais jovens que eles sejam como nós. Ou é reconhecido como uma pessoa que tem os mesmos valores e visão, ou logo sentenciamos como incompetente, inútil, prejuízo futuro e por aí vai.
– É… isso tem um fundo de razão. Mas o que te leva pensar que os próximos 20 anos não vão ser a mesma coisa?
– Roberto, acho que 99% das especialidades que temos serão realizadas por robôs e inteligência artificial. Hoje mesmo já têm muitas coisas sendo feitas por máquinas. O avanço disso é rápido. Por exemplo, esse problema aí que você tem da próstata, se precisar operar, vai ser feito por um robô. As chances de erro são bem menores e as taxas de sucesso dessas operações nem se comparam com as feitas por humanos.
– Inclusive ouvi dizer que tem operações no coração já sendo feitas assim.
– Tem. Meu mercado mesmo, está sendo invadido por esses bichos. Estudei pra caralho design gráfico. Mas saiba que boa parte do meu trabalho não é criativo, é muito mais técnico. Preciso entender o público, qual posicionamento de mercado deseja, que emoção quer passar, e depois de juntar todos esses dados preciso unir isso com as formas, cores e símbolos que melhor atingem aqueles objetivos. Claro que nesta mixagem é onde tem o trabalho criativo. Mas a questão é que robôs já estão criando marcas de dar inveja em muitos designers experientes.
– Então, Renato. Vamos imaginar que isso molde o mercado de trabalho do nosso futuro próximo. Você está falando então que todos os cursos de especialização, esta onde de investimento em cursos técnicos, tudo isso vai ser feito de maneira muito mais eficiente por robôs, por algoritmos com inteligência artificial, esse lance aí de Internet das Coisas e por aí vai, correto?
– Sim, mas não precisa ser tão radical. Não acho que seja 100% de tudo. Só imagine que haverá uma inversão de mentalidade quanto a isso.
– Tudo bem. Mas aí voltamos ao início da nossa conversa. Como um generalista, um cara que sabe apenas superficialmente um pouco de tudo, pode ser o the one neste cenário? Os robôs não fariam isso também?
– Roberto, acho que qualquer pessoa com meio neurônio entende que buscar ser especialista em qualquer coisa hoje em dia é uma furada, né?
– Tudo bem, eu tenho pelo menos dois neurônios, hahaha.
– Hehe, beleza! Agora, sabe o que as empresas mais inteligentes estão procurando? Não são engenheiros, nem programadores. Disso o mercado tá cheio. O que está faltando neste cenário de transição?
– Generalistas?
– Prefiro chamar de polímatas. São as pessoas que se interessam por vários assuntos e vão fundo naquilo que desejam. Ou seja, são pessoas que se jogam na experiência daquilo que querem viver e aprender no momento.
– Você tá falando então de um cara tipo Leonardo Da Vinci?
– Mas com uma grande diferença. O Da Vinci era um puta gênio de várias áreas do conhecimento. Só que ele vivia em uma sociedade muito pouco conectada, o que exigia muito mais de cada indivíduo isoladamente para sobressair. Nesta sociedade-em-rede que vivemos hoje você provê soluções geniais com muito menos esforço, porque é muito mais fácil sintonizar com pessoas que tenham ideias semelhantes, é muito mais fácil conectar projetos e cocriar soluções que não precisam necessariamente partir de você, como se fizesse tudo da concepção até a entrega, mas invenções que surgem do processo de combinações e recombinações que nossa própria conectividade permite.
– E para termos tantas inovações como você diz, até entendo que quanto mais os interesses forem diversificados, maior a chance de gerar ideias criativas, que dentro de um único universo ou por dentro de uma única especialidade não seria tão fácil.
– Exatamente! Cara, esse negócio de ser especialista é coisa de robô. Nós somos seres humanos, somos pessoas. Pra mim, uma pessoa que vive sua vida de acordo com a especialidade, o nicho, o segmento que escolheu para si, tem alguma doença social.
– Não precisa ser tão radical, né? Temos uma cultura que apoia isso.
– Essa é uma cultura doente.
– Bom, vamos focar aqui. Acho isso muito interessante. Combinações inovadoras de arte, ciência e tecnologia. Isso pode gerar mudanças…
– Roberto, isso é a coisa mais simples que existe. É só sermos o que somos: humanos. Enquanto pessoas, nos interessamos por coisas diversas e queremos trocar isso com os outros. E num mundo onde as máquinas desempenharão melhor, praticamente qualquer atividade que fazemos hoje, o que nos resta é um reencontro com o que nos faz humanos.
– Que seria?
– Criar, inventar, imaginar, explorar, investigar, conversar, festejar, nos polinizar mutuamente, vivenciarmos nossa empatia, criar novos mundos sociais!
– Taí, achei aqui um novo nome, melhor que generalista ou esse raio de polímata aí!
– Opa! Qual é?
– Somos alquimista sociais.